ARTE: ARQUITETA CAROLINA LIMA

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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

HISTÓRIA DO VELHO CAPITA


A RAPARIGA QUE VIROU SANTA
Ninguém sabia seu nome verdadeiro, que dirá sobrenome. Os amigos a conheciam como Pafinha. Moça bonita, pele clara, cabelos escuros, olhos vivos, meio estrábicos. A boca rosada escancarava um permanente sorriso. Ela tinha a beleza e a graça de quem é jovem e feliz.
Uma líder entre as companheiras de trabalho. Todos amavam aquela moleca sapeca. Pafinha trabalhava muito, fazia ponto na Boate São Jorge. Tornou-se a rapariga predileta do dono da noite da cidade, o popular Mossoró.
Nascida em Pariconha, sertão das Alagoas, sua família passava fome. Até 15 anos só havia conhecido miséria e pobreza. Um cabo de polícia, casado, encantou-se com a beleza da menina. Estuprou-a. Para amenizar a situação, ele prometeu casa e amigação, levou a menina para a capital. Largou Pafinha na zona das putas em Jaraguá.
Tornar-se prostituta foi uma grande transformação. Cursou a universidade da vida. Era a mais querida do cabaré. Tratava os freqüentadores da boate pelo nome, podia ser delegado, senador, coronel ou capitão.
Pafinha possuía fortaleza e valentia atávicas, gabava ser sobrinha-neta de Maria Bonita. Intransigente em seus princípios, não admitia o homossexualismo ou que mulher, virasse o disco.
Certa vez, um jovem boêmio freqüentador das boates de Jaraguá, hoje respeitável médico, levou Pafinha para o quarto. Depois de alguns carinhos, exigiu ela virar, queria o tal do sexo anal. Ela recusou. O acadêmico deu-lhe um tapa, empurrou-a estatelada na cama. Pafinha, deitada, enfiou a mão no criado-mudo, tirou uma faca da gaveta. Levantou-se, avançou segurando a arma; deu uma estocada em direção ao jovem. Ele protegeu-se com o braço. No Pronto Socorro levou 20 pontos. A cicatriz ainda hoje permanece na mão direita do doutor.
Naquela época, nas tardes de domingo, havia um grande bingo, fonte de recurso para construção do Trapichão. Mossoró comparecia com algumas raparigas. Pafinha deu maior sorte, ganhou um carrão IMPALA. Um agiota comprou o carro na hora. Dinheiro que a menina jamais pensou possuir.
Na mesma noite iniciou uma festa em Jaraguá. Todos queriam abraçá-la, pedir emprestado. A festa durou oito dias e oito noites. Pafinha não tinha noção de economia, seu coração solidário e generoso emprestou e deu muito dinheiro. Fez festa até na ZBN-Zona do Baixo Meretrício para os estivadores, pescadores, catraieiros, amigos das horas vagas, que não podiam freqüentar os cabarés luxuosos dos casarões.
Uma semana de alegria e diversão durou a festa de Pafinha. Só acabou quando percebeu não ter mais um centavo do dinheiro do bingo.
Durante o dia Pafinha tinha um programa predileto: mergulhar no mar da Avenida da Paz. Freqüentava uma birosca de praia, gostava de ouvir histórias de Seu Rodolfo, velho pescador, sobre peixes enormes, Yemanjá, sereias, afogamentos, botos salvando vidas, empurrando afogados até à beira-mar.
Ela aprendeu a nadar. Boiava, mergulhava, até o pôr-do-sol alaranjar o céu. A sertaneja sentia-se feliz no imenso oceano; dizia estar ali seu destino.
Semana passada, num botequim de Jaraguá, encontrei Rodolfinho, filho do finado Rodolfo. Ele também é pescador, continuou a profissão do pai. Perguntei se lembrava de Pafinha, tomou uma lapada, emocionado, contou-me o destino da bela rapariga: desapareceu num banho de mar, seu corpo nunca foi encontrado. Disse-me convicto que Yemanjá veio buscá-la, transformou-a em um boto, vagueia no mar salvando afogados.
Há muito tempo não acontece afogamento no mar da Avenida da Paz. É visto um boto mergulhando, vigilante. Empurra os banhistas desavisados e crianças mais afoitas para o raso. Depois volta, se junta ao cardume.
Pela noite, nos bares, no mercado, na zona da boemia; marinheiros, pescadores, contam histórias de salvamentos inexplicáveis. Atribuem esses milagres à Santa Pafinha, protetora dos boêmios, dos bêbados, das prostitutas e dos afogados de Jaraguá.

“Esta crônica faz parte do livro, AS MARIPOSAS TAMBÉM AMAM que será lançado na VII Bienal de Pernambuco no dia 11 de outubro, a partir das 19 horas no estande das EDIÇÕES BAGAÇO. Receberei os amigos na Bagaço com papo e bom uísque.”

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