ARTE: ARQUITETA CAROLINA LIMA

Um Blog feito pelos leitores

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA


O ATEU E O NATAL

João era agricultor, subsistia de um pedaço de terra nos arredores de Arapiraca. Certa vez, durante a feira, conheceu uma moça bonita, Severina, se encantou; ela tornou-se freguesa comprando verdura, milho, para sua patroa, eficiente empregada doméstica, semi-analfabeta, entretanto, serelepe, gostava de festa, dança, não podia ouvir uma música caía no requebro. Mesmo assim topou um namoro e casamento rápido proposto por João. Pouco mais de um ano apareceu o primeiro filho, Cícero. Foi difícil ficar em casa sossegada, não se acostumou à vida de casada. Durante o período natalino foi armado um circo perto do sítio de João, Severina ficou maravilhada com os trapezistas, mágicos e a peça teatral encenada com todos os personagens principais do nascimento de Cristo, Jesus menino era um boneco. O artista que fazia o papel do Rei Mago Melchior, notou a presença constante de Severina nos espetáculos, logo foi se chegando, com boa lábia encantou a formosa Severina, durante o dia ela só pensava no Rei Melchior. Quando o circo arribou, o Rei levou Severina, João ficou com o filho de um ano nos braços. Cícero foi criado pelo pai que nunca olhou outra mulher, nunca teve notícias de Severina, nunca celebrou um Natal.
Cícero conseguiu estudar num colégio público, formou-se em engenharia; durante a juventude foi um rebelde, queria mudar o mundo, se dizia marxista, leninista, ateu, revolucionário. Ao se formar, abrandou o socialismo, virou meritocrata, contudo, sua crença religiosa permaneceu zero, gostava de chocar aos amigos dizendo ser ateu, vivia provocando religiosos. Desde que soube da história de sua mãe, contada pelo pai ao morrer, detestava o Natal.
Casou-se com uma colega de turma. Muito econômico, hoje não tem o que reclamar financeiramente. Entretanto, durante o Natal, jamais comprou uma árvore, nunca fez alguma reunião familiar apesar dos reclamos da mulher e três filhos. Não contou a fuga de sua mãe, nem sabe sequer se ela morreu. No Natal deixa os filhos nas casas dos avós, se recolhe. Toma um porre sozinho em casa. Augusta, sua esposa, não entende a repulsa do marido ao Natal. Cícero diz ser problema de crença, ele é ateu.
Os anos se passaram, os meninos cresceram, certa noite, o adorado filho mais novo, Paulo, saiu no carro para uma balada, ao retornar para casa deu uma violenta batida num poste. Estava embriagado, o carro acabou-se, o rapaz foi socorrido ao hospital. Ficou na UTI, estado grave, em coma. Depois de um mês Paulo continuava em coma, caso desesperador, alguns médicos desenganaram, talvez vida vegetativa. Foi transferido da UTI para um apartamento no hospital, monitorizado por aparelhos.
Na véspera de Natal, Cícero, triste, magoado, sem aceitar o cruel destino, depois da visita da família a Paulo no hospital, mandou a mulher e filhos para casa do avô, a ele nada representava o Natal. O pai ficou de plantão pensando na vida, doía no coração a quase impossível recuperação de Paulo. Sozinho contemplava o filho amado, rosto lívido, havia certo sorriso na boca do jovem. De repente percebeu alguém bater de leve na porta e entrar no apartamento. Era uma velha senhora, pele engelhada, xale sobre a cabeça, vestido negro, tipo viúva siciliana. Ela deu boa noite com voz quase inaudível. Perguntou se podia olhar o rapaz, encostou-se na cama, iniciou uma reza incompreendida, foram 15 minutos de oração sob o olhar admirado de Cícero. Certo momento a velha parou de rezar, olhou o rosto de Paulo, sussurrou para ela mesma, “o rapaz está com sede”. Virou-se, andou como se soubesse do local onde estavam as garrafas, encheu um copo de água, retornou. Levantou a cabeça do jovem, enfiou a borda do copo na boca, Cícero se admirou quando Paulo abriu a boca, tomou a água como se estivesse acordado de olhos fechados. A velha abaixou a cabeça de Paulo. Olhou para o pai e falou baixinho: “O menino vai curar-se”. Saiu como entrou, bem devagar fechou a porta. Cícero correu para falar com a velha, no corredor havia apenas uma árvore de natal.
Eram duas horas da manhã quando Augusta entrou no quarto, encontrou Cícero sentado com o rosto entre as mãos; ele levantou-se, a abraçou, murmurou chorando: “Paulo acordou-se, dormiu novamente, vai ficar bom!!!”.
Uma semana depois, o filho passou o ano novo em casa com seus irmãos e toda família, o pai contou apenas para a mulher a visita da misteriosa velha. São passados três anos desse Natal, Cícero mudou seu modo de ser, de agir, acabou a amargura, a tristeza profunda, a sovinice, de bem com a vida há dois anos festeja o Natal com seus familiares. Leu muito sobre religiões, seu ateísmo ficou abalado, transformou-se, hoje é feliz, convicto e piedoso cristão.

Nenhum comentário: