ARTE: ARQUITETA CAROLINA LIMA

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sábado, 23 de janeiro de 2010

SEBASTIÃO NERY ESTARÁ LANÇANDO O LIVRO "A NUVEM" DURANTE A 9ª FESTA DO PÔR-DO-SOL DIA 29 A PARTIR DAS 5 DA TARDE NO ACARAJÉ DO ALAGOINHA - PONTA VERDE

UM CRIME SEM ANISTIA
RIO – Era 20 de janeiro de 1971, feriado, dia de São Sebastião, padroeiro do Rio e meu. Antes das dez da manhã, a caminho da praia, parei o carro em frente à casa do ex-deputado do PTB paulista, cassado, Rubens Paiva, na Avenida Delfim Moreira, Leblon. Minha filha, colega da filha dele, desceu para pegar a amiga. Mandei um recado:
- Diga ao Rubens que não entramos porque estamos todos com roupa de praia. Quando voltarmos, passaremos aqui para dar-lhe um abraço.
Ela subiu, demorou um pouco, desceu com a Malu e me perguntou :
- Você brigou com o tio Rubens?
- Não. Por que?
- Ele estava no quarto, sentado na cama, calçando a meia e o sapato, conversando com três homens de paletó e gravata. Dei o recado, ele disse:
- Foi melhor assim.
RUBENS PAIVA
Fiquei calado, para não assustar as meninas. Mas vi quatro suspeitas kombis brancas em torno da casa, com varias pessoas dentro, olhando estranhamente para nós. Quando chegamos à praia, disse à Philomena :
- Estão prendendo o Rubens. Aquelas kombis estão sem placas.
- Devem ser amigos ou gerentes da fazenda dele em São Paulo.
Não fiquei tranqüilo. Apressamos o banho de mar e na volta já ninguem chegava mais perto da casa cercada, com a avenida fechada. Parei mais adiante e o porteiro de um prédio próximo me contou:
- É a Aeronáutica prendendo um cara daquela casa.
APARECIDO
Voltei rápido e aflito. Era preciso espalhar urgente a noticia. Mal entramos em casa, ali perto, na Marquês de São Vicente, toca o telefone:
- Minha filha está com vocês?
- Está, sim. O que aconteceu?
- Não posso falar. Cuidem dela.
E desligou. Era Eunice, mulher do Rubens, que seria presa a seguir.
Peguei o carro, fui correndo à casa do José Aparecido, na Aires Saldanha, em Copacabana. Na véspera, havíamos jantado lá com o Rubens e a Eunice. Lembro-me bem de que, enttre outros, lá estava o Bocaiúva Cunha, também cassado e sócio de Rubens numa empresa de engenharia.
POLITIKA
Na saída do jantar, tarde da noite, o Rubens pegou um cartão (“Rubens Paiva, engenheiro civil”), escreveu dois números de telefone (“223.1512 e Res. 227.5362”), me entregou (guardo até hoje) e disse :
- Você anda sumido, acompanho pela “Tribuna” e o “Politika”. Vamos conversar. Passe lá amanhã para um uísque. É dia de seu padroeiro.
Eu o conhecia desde 1953, ele presidente do Centro Acadêmico Horacio Lane, da Escola de Engenharia da Universidade Makenzie, em São Paulo, depois vice-presidente da União Estadual dos Estudantes e eu dirigente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia de Minas,
Em 62, nos elegemos:ele deputado federal por São Paulo, eu estadual pela Bahia. E nos encontrávamos nas lutas do governo Jango.Ele foi diretor do “Jornal de Debates”, cassado na primeira lista do golpe militar de 64, por ter feito parte da CPI do IBAD, que denunciou inclusive o farsante do Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos, morto há pouco.
Em 1965, assumiu a direção da “Ultima Hora” de São Paulo, onde passei um ano clandestino e trabalhei escrevendo anonimamente.
CHAGAS
Foi uma noite desesperadora. Com Aparecido, tomando todos os cuidados, fomos à casa de Bocaiúva, na Delfim Moreira, e creio que também à de Waldir Pires, na Ruy Barbosa. Ninguem devia falar ao telefone, naqueles sinistros anos do governo Médici. Mas era preciso avisar aos amigos, sobretudo de São Paulo e Brasília,fazer um cerco antes do pior.
Não adiantou. No dia 21, soubemos apenas que fora levado para o notório Brigadeiro Burnier, da Aeronáutica, ao lado do aeroporto Santos Dumont, e de lá entregue ao DOI-CODI do Exercito,na Barão de Mesquita. Já no dia 23, a certeza de que ele tinha sido assassinado. O jornal “O Dia”, do Chagas Freitas, em manchete fraudada na primeira pagina, com foto de carro queimado e tudo, contava que “o carro que o transportava do comando da IIII Zona Aérea da Aeronáutica para o CODI do Exercito tinha sido interceptado por desconhecidos, que o teriam seqüestrado”.
Nascido em dezembro de 1929, Rubens tinha 42 anos.
EUNICE
Eunice Paiva, presa com a filha mais velha e incomunicável durante 15 dias, quando saiu lutou como uma leoa. Com o líder do MDB na Câmara Oscar Pedroso Horta, denunciou tudo ao Conselho de Defesa da Pessoa Humana, que o arquivou por ordem de seu presidente, um tal de Alfredo Buzaid, ministro da Justiça, que alegou que ele estava foragido.
Pedroso Horta encarregou os deputados Marcos Freire e Francisco Pinto de denunciarem da tribuna a morte de Rubens Paiva. O governo e a Arena ficaram desesperados mas sem um só argumento para se defenderem A “grande imprensa”, como sempre, mamando calada, não disse nada.
Só a “Tribuna da Imprensa” e nosso “Politika” conseguiram driblar a censura e furar o tumor. Eu sei quanto me custou. Como todo ano, desde então, no 20 de janeiro, relembro o crime. É por isso que os assassinos de Rubens Paiva têm até hoje tanto pavor de uma “Comissão da Verdade”.
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