ARTE: ARQUITETA CAROLINA LIMA

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terça-feira, 21 de julho de 2009

COMPANHEIRA DE VIAGEM

COMPANHEIRA DE VIAGEM


Cheguei à rodoviária do Recife faltando cinco minutos para quatro da tarde, rapidamente comprei uma passagem, desci correndo a escada, fui o último passageiro a embarcar, coloquei a pequena valise no porta-malas, acomodei-me na poltrona do fundo. Cumprimentei com um sorriso minha vizinha de viagem, o ônibus deu a partida, pegou a estrada rumo à Maceió. Aproveitando os últimos raios do sol, uma luminosidade razoável, comecei a ler o novo livro do Mário Vargas Llosa, “Elogio da Madrasta”. A vista cansou com o lusco-fusco do entardecer. Fechei o livro, arriei a poltrona, muito tempo para pensar no romance que escrevo em minha cabeça. Nesse momento a vizinha da poltrona tirou o fone do ouvido, puxou conversa.
- “Eu lhe conheço, vejo sempre o senhor na televisão, leio suas divertidas crônicas aos domingos na Gazeta, já li alguns livros seus, adoro ler”.
Percebi que não era uma adolescente como havia imaginado, a vizinha de bordo devia estar na faixa de 25 anos. Morena, olhos e cabelos negros, uma moça bonita. Pelas roupas vestidas e maneira de falar calculei ser de família nobre, de classe média alta. Respondi à companheira de viagem.
-“Que bom você gostar do que escrevo. O maior pagamento a um escritor é o reconhecimento do povo, fico muito feliz em encontrar uma leitora”.
-“Agora me diga, como o senhor arranja tantas histórias todos os domingos, elas são verdadeiras”?
-“Olha menina, algumas são verdadeiras 100%, outras tem 80% de verdade, outras 40%, mas, todas são baseadas em fatos reais”.
- “Aquela história da loura tarada é incrível, e também aquela outra...”
Minha colega de viagem passou um bom tempo contando, às gargalhadas, várias das minhas histórias. Depois falou sobre meus livros, ela sabia de toda minha vida. Fiquei contente em ter uma leitora tão bem informada. Interrompi Michelle, era seu nome, perguntando o que fazia na vida. Ela não se fez de rogada.
-“Estudo Direito, tenho certeza que serei uma boa advogada, gosto de falar. Sou dedicada, quero vencer na vida. Além de ser uma profissão fascinante, a advocacia tem mais chances de concursos públicos. Termino esse ano, minha meta é trabalhar e estudar sempre para concurso, quem sabe se não serei uma juíza ou desembargadora”?
- “Acho a profissão de advogado muito interessante, sou engenheiro.”
-“Eu sei, sei de muita coisa de sua vida. Casado, três filhos.”
Deu uma gargalhada debochada.
-“Estou brincando com o senhor...”
- “Pode me chamar de você, sou um rapaz de apenas 69 anos.”
-“Uma bela idade” – Outra gargalhada marota. Continuou.
-“Na minha Faculdade sou líder, reconheço minhas virtudes, depois de me formar quero trabalhar, trabalhar muito, aprender a profissão no dia-a-dia. Não me importa viajar, de enfrentar tribunais, sou despachada e corajosa. Se o senhor, aliás, você, souber de algum estágio me avise, por favor.”
Assim passamos boa parte do percurso conversando amenidades e até política, a moça me impressionou pela vivacidade e inteligência.
A viagem tornou-se rápida, logo o ônibus entrava em Maceió. Ao passar por Jacarecica, peguei minha valise, me preparei para descer na parada mais perto da Jatiúca. Ainda deu tempo de uma última pergunta à companheira de viagem. Onde trabalhava? Ela foi de uma franqueza espontânea, estonteante.
“-Não tenho um emprego definido, sou recepcionista de casamento e outras festas, trabalho numa empresa sem carteira assinada, só ganho quando acontece o evento. Vou lhe contar um segredo, segredo mesmo! Faço outros tipos de serviços para alguns clientes selecionados, só alguns que já se tornaram amigos. Mas se Deus quiser, quando me formar vou acabar com esses programas, faço isso por extrema necessidade, quero mesmo ser uma mulher independente, me casar e ter três filhos. Preciso de ajuda, veja o que o senhor pode fazer por mim.”
“-Posso apenas escrever uma crônica, sua história de vida é simples, muito interessante”
“-Escreve mesmo? Agradeço muito, vou guardá-la. Troque meu nome.”
O ônibus parou, desci para pegar um táxi, dei um até logo com a mão vazia, ainda percebi o sorriso simpático e maroto de minha companheira de viagem enquanto o ônibus, soltando fumaça, desaparecia na escuridão da noite.

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